segunda-feira, maio 09, 2005

Estou sim?




Em dias soalheiros como o de hoje, geralmente dou um salto até à piscina, onde por umas horas esqueço que segunda-feira está apenas a algumas horas de distância.
Geralmente tenho sorte, porque fico com aquele espaço só para mim: o meu pseudo-oásis no centro de Lisboa.
Hoje, infelizmente, tive companhia: um grupo de três mulheres solteiras, esparramadas ao sol e munidas de intermináveis tópicos de conversa, que sistemáticamente foram interrompidos por chamadas telefónicas.
Apesar dos esforços, foi inevitável não escutar o que diziam ou deixar de observá-las.
Com um ritmo frenético e compulsivo, uma das minhas vizinhas de espreguiçadeira estabelecia ligações telefónicas com praticamente todos os números disponíveis da agenda do seu telemóvel.
"Olá Maria! Tudo bem? Tentei ligar-te ontem, mas estava a meio de um jantar e ouvia-se pessimamente. Estou aqui na piscina com a Joana e a Catarina. Não queres vir cá ter? Estamos ao sol, há pouco vento e daqui a nada vamos dar um mergulho...sim...sim... estamos a pôr a conversa em dia!"
Mas, em tempo real, a nossa personagem ainda se está a despir, a J. e a C. pararam de falar para não interromper o telefonema e aguardam pacientemente que a amiga desligue, para finalmente porem a conversa em dia.
Ao observá-las, deixei-me levar pela minha capacidade inata de abstracção e perdi-me entre pensamentos e divagações, suscitados pelo seu modo de estar, tão parecido com o meu, tão parecido com o de toda a gente nos dias que correm.
É incrível como podemos estar fisicamente, com alguém, sem que na realidade estejamos com essa pessoa.
Ou , sob outro prisma de análise, podemos estar fisicamente apenas com uma pessoa e na realidade estar simultaneamente com outras 3 ou 4 pessoas.
Ao invés de estarmos a apreciar o momento , ao invés de realmente “estarmos”, procedemos ao relato daquilo que estaríamos a fazer, caso não estivéssemos ao telefone.
Independentemente do desfasamento temporal entre o que é transmitido via telemóvel e o que está efectivamente a ser feito, o que mais me transtorna é esta incapacidade de gozo de que parecemos todos sofrer.
Analisamos e projectamos o presente, como se do passado se tratasse, em vez de nos resignarmos a apreciar o momento.
O telemóvel deixa de ser um instrumento de trabalho ou um veículo de comunicação, passando a servir como meio de transporte, que nos permite estar em qualquer outro sitio e com qualquer outra pessoa, sem que tenhamos que mover-nos, sem que tenhamos que abandonar o mesmo espaço físico da pessoa que está sentada ao nosso lado e cujo raciocínio entretanto se perdera, entre um aviso de chamada e um bip de mensagem.
No final de contas, a conclusão é inevitável: mais um dia que passou e não estivemos efectivamente com NINGUÉM.
Combinámos “estar” com alguém, mas na realidade passámos a tarde a garantir a nossa presença com um ausente e , consequentemente, a ausentar-nos.
Se calhar já passou de moda estar de corpo e alma com as pessoas, sem sermos interrompidos por sons polifónicos ou alarmes de mensagem.
Se calhar não me apercebi disso... provavelmente estava ao telefone, a falar daquilo que hipoteticamente estaria a fazer, caso aquela ligação não se tivesse estabelecido.
Posted by Hello

* Nada de especulações: não é o meu pseudo-oásis que podem ver na fotografia!

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