E porque não Pessoa?
"Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enrêdo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai! "
Fernando Pessoa
2 comentários:
"Ter a tua alegre inconsciência,E a consciência disso!", um impossível com o qual eu também sonho!
Quanto ao que motivou o ires buscar este poema...será que apesar de ultimamente nos encontrarmos pouco, eu (ainda) consigo adivinhar?
(e assim, vou lendo o teu blog e sabendo como estás... O post do metro parece um filme dos meus, lol)
*s, joana
Querida Ju, tinha a certeza que irias comentar este post. Este poema és tu, somos nós e acompanhar-nos-á sempre. Fiquei muito contente ao ver o teu comment. É a primeira vez que assinas e quebras o anonimato. Um grande beijinho
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