Era uma vez no Brasil
Diários de Montes Claros :
Durante a semana da Dignidade no Centro Aquarela , a ida ao cinema foi um dos fantásticos eventos memoráveis organizados pela minha querida Rita La Otra e restantes companheiros de missão.
A ideia, pois, era transmitir a estas crianças, um pouco da dignidade que nunca tiveram: um autocarro só para eles, lugares individuais, bilhetes para cada um deles e uma sala de cinema à sua disposição.
Luxos que para nós são direitos adquiridos, aparentemente no Brasil são escassos fragmentos de uma efémera dignidade.
Assim escreveu a Rita:
" ( ... )Daí a dignidade. Terem a oportunidade não só de fazerem uma coisa que muitos não teriam nunca acesso, mas de o fazerem com toda a dignidade do mundo, sem terem de dividir cadeira com os não sei quantos irmãos. A Irmã Costanza (que chegou no princípio do mês para ficar como Coordenadora Pedagógica do Aquarela) comentou impressionada que nessa tarde, estava ela a caminho da missa, e viu o Claudinei a conduzir uma carroça cheia de ferro velho. Ele que de manhã foi criança como os outros, e à tarde estava a trabalhar para arranjar dinheiro para a família. O que nos deixa a nós sem grande reacção. Sem sabermos como agir, o que fazer. Como poderemos sequer imaginar o que passa nas cabeças destas crianças que são obrigadas a serem adultos sem sequer terem tido a oportunidade de serem crianças, e sem terem escolhas? Há casos que simplesmente nos deixam impotentes, e parecem verdadeiramente becos em saída. O que fazer com uma Cleidiane que viu a polícia ir a sua casa e levar o irmão de 4 anos (por ter apanhado da mãe), e nunca mais ter sabido nada dele (porque a mãe acha que não lhe vão restituir a guarda do filho, portanto nem vai ao Conselho Tutelar, que é onde ele hoje está)? Ou com um Juscelino de 9 anos que passa o dia fora de casa, deambulando por bares e pelos bairros, e cuja mãe simplesmente nunca sabe dele? Se denunciamos os casos ao Conselho Tutelar (entidade encarregue de assegurar que se mantenham os direitos das crianças e dos adolescentes), em último caso, as crianças até poderão ser retiradas provisoriamente da famílias, mas estas terão que provar que estão aptas para educar a criança. Se acontece o mesmo que aconteceu ao irmão da Cleidiane, as crianças são, em última instância, encaminhadas para um lar, que apesar de lhes dar certos direitos e regalias nunca é melhor do que viver com uma verdadeira família, de preferência a sua. Por outras palavras, (as da Zézinha!) por muito má que seja a família, raramente é pior do que um lar."
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