quarta-feira, junho 21, 2006

Acta da Assembleia

Não se apresentaram com um nome fictício, nem assumiram, sem pudores, que tivessem um problema a partilhar com os demais.

Tinham, no entanto, vários problemas comuns e esse era o motivo que os levou a reunir naquela noite.

Só se alcançaram os 25% exigidos para o quorúm, uma hora e meia depois da hora marcada.

Uns chegavam curiosos, atónitos perante a sala de condóminos que ainda não conheciam.

Muitos, porém, faziam-se acompanhar de relatórios de contas, lista de sugestões, canetas e calculadoras.

Como não poderia deixar de ser, iniciaram-se os trabalhos com as declarações exaltadas e sanguinárias de uma das condóminas.

Tal como sucede em qualquer assembleia de condóminos em qualquer edifício do mundo, procurou-se durante largos minutos, através da partilha da terapia de grupo, debater os problemas e apontar o dedo a terceiros, sem qualquer tipo de pragmatismo na busca de soluções eficazes perante as contas negativas do condomínio ou a quase aceitação tácita dos condóminos perante a transformação da piscina privada em municipal.

Tínhamos, portanto, o Sr. Contabilista, obcecado com os desvios do fundo de reserva comum e as discrepâncias entre o orçamento apresentado para 2005 e os gastos reais; a senhora indignada que pedia a afixação pública da lista de devedores das participações comuns, provavelmente e a julgar pelo seu olhar tresloucado, seguido de um linchamento por parte da Comissão de Acompanhamento.

Ao fundo da sala encontrava-se o Certinho-Direitinho, defensor dos insectos e da flora circundante ao prédio que sugeria a contratação de um salva-vidas para vigilância da piscina dos pequeninos, desconhecendo, este pobre Diabo, que crianças quase não têm espaço na sua piscina, na medida em que todos os fins-de-semana os King Kongs de Campolide e arredores, juntamente com as suas igualmente encantadoras GI-Janes, ocupam orgulhosa e languidamente aquele seu tanque, com as inevitáveis e estéticas tatuagens, latas de cerveja e cinzeiros!

Estavam igualmente presentes as senhoras dos andares térreos que, fazendo jus às suas preferências, se uniram na linha da frente da sala, redundando nas suas exigências de “soluções integradas” por parte da Administração e encontraram naquele sinistro encontro, uma forma diferente de passar as suas noites solitárias.

A animar a discussão, o “queque” sem papas na língua que, de forma atabalhoada e demasiado corriqueira, dizia em voz alta o que todos pensavam, mas temiam dizer.

A Administração, despreocupada e com uma evidente falta de preparação técnica, defendia-se das pedras arremessadas por este grupo de pessoas que renunciou ao sofá para procurar soluções para o “bem comum” que de comum não parece ter muito, uma vez que 75% dos condóminos se encontravam ausentes.

Last but not the least, a “jurista”, escondida na última fila e alheia às disposições legais entediantes que regulam o condomínio, perdia-se em análises psicológicas daqueles seus vizinhos que, da mesma forma que pregavam em defesa do que “é nosso”, a atropelam praticamente todos os dias na garagem e fingem não vê-la quando se cruzam nos corredores.

Por unânimidade, encerraram-se os trabalhos perto da uma e um quarto da manhã.

Que se faça constar em acta.

1 comentário:

Rit@ disse...

Heheheheheheh!