O desafio do artista
Durante alguns dias hesitei em escrever este post.
Desde os seus primórdios, é lema da casa não criticar, negativa e infundadamente quaisquer formas de arte.
Eventos ou obras que marquem pela negativa são, delicadamente, ignorados neste espaço: porque a crítica pode ser influenciada por factores exógenos subjectivos; porque a análise nem sempre é um produto de uma reflexão cuidada; porque as palavras valem o que valem e “spots” não faltam onde a crítica e o mal dizer são os tons marcantes do quotidiano.
Além de que alimentar comentários maldosos apenas gera um acréscimo de publicidade (reafirma-se o lema : “there´s no such thing as bad publicity”).
Porém, não posso deixar passar em branco a desilusão musical do ano que espero não vir a ser interpretada como uma crítica pessoal ao artista, mas sim como uma reflexão sobre a indústria musical nos dias que correm.
Ao sabor de um “click” e num espaço de tempo inferior a cinco minutos, qualquer cidadão, amador nas artes da computação, tem acesso a infindáveis sites de download gratuito de música e ao mais recente êxito de qualquer artista do planeta.
A descoberta onerosa de grupos e tendências cedeu perante o acesso gratuito via internet a recém lançamentos o que, por um lado, permitiu uma divulgação célere da cultura a uma escala mundial como, simultaneamente, abalou as estruturas da indústria discográfica e as exigências que se colocam, hoje em dia, aos artistas.
Independentemente do desvalor da conduta dos “downloadeiros” , a verdade é que enquanto as vendas decrescem, maiores são as expectativas do público consumidor da indústria musical.
Pese embora as inovações tecnológicas, os concertos ao vivo continuam a ter uma procura elevadíssima, a oferta é cada vez maior e as salas não dão vazão aos fãs.
Mas estarão os artistas a atribuir o devido valor àqueles que compram os bilhetes para os seus espectáculos, ao invés de fazer mais um download de um dvd da tournée?
Julgo que a resposta, na maioria dos casos, é negativa.
Não só os artistas não investem nos espectáculos que executam, como as alternativas que a Internet possibilita não estão a ser devidamente aproveitadas em proveito destes.
Tudo isto a propósito do concerto do Chico Buarque no passado dia 5 de Novembro.
Chico chegou e desencantou, não comunicou nem procurou criar qualquer tipo de empatia com o público, aparentando uma moléstia indisfarçável.
Sem demora, despejou o mais recente álbum sem à vontade, sem charme, sem carisma.
O sedutor do Brasil, não seduziu a audiência que, expectante, aguardava pelas melodias mais alegres e marcantes da sua longa carreira, mas que tardaram em chegar e só mostraram um ar da sua graça nos momentos finais, em encores insípidos, contrariados e arrogantes.
Os ramos de flores jaziam no chão e aí ficaram depois das luzes acessas, uma vez que Chico Buarque de Hollanda não retribuiu a cortesia de recebê-los das mãos das mulheres em delírio, não distribuiu quaisquer autógrafos e quaisquer gestos de carinho ficaram, certamente, esquecidos nas areias de Ipanema.
Após a desilusão seguiu-se a triste constatação de que a era Buarque já chegou ao fim há algum tempo.
Chico parece não ter percebido a mensagem. Talvez por desnecessidade, talvez por comodismo ou talvez por arrogância.
Não só as músicas recentes não contêm a chispa das anteriores, como o artista não se adaptou ao público do século XXI, que procura mais do que uma simples interpretação, do que um mero vislumbre dos seus ídolos.
Um público que exige música mas, mais do que isso, clama por espectáculo, por uma aproximação com o intérprete, por uma fusão com a sua obra durante o concerto, pois tudo o resto é gratuito e está online.
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