No inicio do caso Casa Pia, ainda naquela fase incipiente de perplexidade e horror que despertou a sociedade portuguesa para os problemas do Direito Processual Penal, muitos foram os que vieram a público partilhar as suas ideias acerca do tema.
Até então, o Direito Penal era uma área abandonada do Direito, mal vista até por aqueles que se dedicam ao Direito Financeiro, que encaram o direito penal como uma área secundária e de diminuto valor, destinada a advogados de “segunda” que, por se encontrarem excluídos do conceituado “direito das influências”, não tinham outro remédio senão socorrer-se na barra da Boa Hora.
Recordo-me de uma entrevista de um ilustre penalista da escola de Coimbra, cujo nome, porém, momentaneamente me escapa.
Disse então o ilustre professor, que nos outros países da Europa, começa-se por investigar para posteriormente se proceder às detenções.
O sistema português, porém, perfilha uma lógica diferente: entre nós, prende-se para posteriormente se investigar!
A investigação é feita, em grande parte, a partir das secretárias dos órgãos policiais e através do encarceramento preventivo dos arguidos, cuja inocência ironicamente se presume até trânsito em julgado da sentença condenatória.( principio constitucional plasmado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.)
A prisão preventiva, pese embora consignada na lei como um recurso excepcional, tende a ser a regra.
Constato com admiração quando ouço a vox populis insurgir-se pelo facto de alguém aguardar julgamento em liberdade.
De acordo com a letra da lei, não deveria ser a lógica ser oposta?
O Código de Processo Penal, no seu art. 61º, consagra o direito ao silêncio do arguido.
Ou seja, alguém constituído arguido num qualquer processo crime, poderá manter o silêncio quando questionado acerca dos factos que lhe são imputados.
Mas na prática, ai daquele que se vir encurralado nas malhas da lei e numa sala de interrogatório na policia, sem um defensor por perto.
Nesses primeiros momentos, a investigação é comummente realizada não a partir da secretária, mas a partir dos punhos de alguns agentes, demasiadamente obstinados na sua missão de conseguirem encerrar inquéritos, que dissimulam num discurso cínico: “ O nosso trabalho é eliminar o maior número de suspeitos e realizar a Justiça!”.
Todavia, flagrantes são os seus olhares de reprovação e de raiva contida com que presenteiam os advogados durante esses “inofensivos” questionários.
Ao silêncio do arguido, seguem-se os impropérios dos agentes, as ameaças descaradas, o clima de terror que insistem em instaurar.
Mais uma vez o exercício de um direito em Portugal é temido, é constrangido, é um incómodo.
Não pretendo justificar os actos dos criminosos, nem prestar-lhes qualquer tipo de apologia.
Mas custa-me aceitar a falta de seriedade e de profissionalismo com que a investigação criminal é feita em Portugal.
Custa-me entrar numa sala e saber que se eu não estivesse presente e a empunhar a recém adquirida cédula azul, provavelmente os senhores simpáticos de 2 metros quadrados com quem partilho aquele exíguo espaço, teriam conseguido uma pseudo-confissão à custa de equimoses e traumatismos cranianos de alguém que, presumidamente e face à letra da nossa Constituição, é inocente.