sexta-feira, abril 29, 2005

Digerido!

Erroneamente, julgo eu, gerou-se a convicção de que o povo alemão se sente inevitavelmente melindrado ao abordar o tema da II Guerra Mundial.
Gostaria pois que me explicassem como pôde Oliver Hirschbiegel, natural de Hamburg, Alemanha, ter realizado um filme tão cruelmente real acerca das últimas três semanas da vida de Hitler?
Não será um preconceito nosso, teimar em não abordar este tema com os alemães que conhecemos?
Passei toda a minha adolescência na Escola Alemã de Lisboa e posso afirmar que o melindre não é o termo mais correcto para descrever a postura do povo alemão face a um dos episódios mais lamentáveis da história da Humanidade.
A título de exemplo, recordo que nos três últimos anos de liceu, a disciplina de História Alemã dispunha de um programa centrado única e exclusivamente na I e II Guerra Mundial ( 1914-1945).
As abordagens sempre foram directas e desmistificadas, os factos históricos relatados com frontalidade e abertura, os documentários exibidos sem censura .
Como tal, nunca considerei que os alemães tivessem algum problema em abordar estas temáticas , relativamente às quais seriam, à partida e de acordo com a convicção generalizada, mais sensíveis.
Curiosamente e só a título de exemplo, a transição à democracia em Portugal, que deveria ser um motivo de orgulho para a Nação, ocupa um lugar insignificante nos conteúdos programáticos da disciplina de História Portuguesa.
Mais curioso ainda, é constata que em muitas escolas não chega sequer a ser abordado, por escassez de tempo.
Afinal, quem se sente melindrado em relação a quê? ( Não me tomem demasiado a sério, esta é apenas uma constatação irónica, sem qualquer pretensão de estabelecer qualquer tipo de comparação entre esses acontecimentos ).
Ao sair do filme ontem, repetia mentalmente o discurso final de Traudl Junge,a sua incapacidade de fornecer qualquer tipo de explicação para o sucedido e de se desculpabilizar.
O mesmo discurso tantas vezes repetido nas aulas de história da Escola Alemã, através dos testemunhos de um professor, cujos pais eram nacionais socialistas tão piuco conseguem explicar a cegueira com que Hitler envolveu a Alemanha.
Até à data, “A Queda” foi o único filme que vi que colocou o povo alemão como uma das vítima da II Guerra Mundial.
E quando me refiro a povo alemão, refiro-me obviamente aos judeus e não judeus residentes na Alemanha naqueles período e que, de uma forma cega e irracional, depositaram o seu futuro e a vida de 50 milhões de pessoas nas mãos de um louco.
A loucura de um homem, o fanatismo dos seus seguidores, o fundamentalismo do nacional socialismo, “Deustchland überralles” e um povo abandonado à morte e à miséria pelo seu próprio
Führer.
Oliver Hirschbiegel filma a loucura, a cegueira, o desrespeito pela vida humana, o egoísmo atroz , o suicídio como acto de orgulho, a crueldade e a total ausência de arrependimento de Hitler.
Não esperem encontrar um documentário apologista ou humano acerca de Hitler.
A temática do filme não é essa e não se encontra qualquer réstia de humanidade nos actos retractados .
Aliás, humanidade é uma palavra que julgo não ser proferida ao longo das duas horas e meia que dura a sessão de cinema, pese embora seja a palavra que ressoa incessantemente à saída do cinema...
Não posso finalizar concluindo se gostei ou não. Um filme acerca da II Guerra Mundial não é susceptível de ser amado ou odiado.
O filme gera desconforto, choque, incredulidade e tristeza, pelo que aconselho a serem cuidadosos em relação ao dia que escolherem para o irem ver .
E mais não digo eu, que se já se faz tarde e não me restam mais palavras...

6 comentários:

Anónimo disse...

obrigado por me estragares o filme, agora ja sei que o sr. adolfo morre no fim.
agora a serio, optima critica aos portugueses e à "nossa" visao limitada (ignorante) da Historia. os alemaes sabem que o nazismo foi um periodo negro e souberam aprender com ele. nós tivemos a sorte de ter um 25 de abril em vez de uma guerra e nao o sabemos ensinar, apenas vangloriar ou criticar...
gonças (viva o mantorras)

Rit@ disse...

Um comentário tão lindo e com um final tão manhoso.Viva o Mantorras??? Viva o Pinilla e o seu golão ontem à noite. A Uefa já cá canta! :P

Anónimo disse...

Rita, eu que vivi alguns (muitos) anos na Alemanha, posso garantir que para muitos alemães (especialmente as gerações mais velhas) a II Guerra Mundial é um motivo de vergonha e por isso mesmo têm dificuldade em abordar esse tema. Mesmo em algumas escolas na Alemanha este tema é abordado de uma forma muito particular. Eu tive a sorte de na minha escola este tema ser tratado com todo o respeito e sem tabús, mas sei de amigos que não tiveram essa sorte. Resumindo, quero dizer que embora se realizem filmes como este (existem outros filmes muito bons e que retratam a II Guerra Mundial de uma forma bastante realista e cruel), não significa que não haja censura nem que este tema é abertamente tratado na Alemanha. No entanto, fico muito contente ao saber que na Escola Alemã em Lisboa este tema é abordado da forma como o descreveste! Parábéns pelo teu blog, está deveras interessante!

Rit@ disse...

É pena que nem todos os estudantes dos liceus alemães tenham tido a nossa sorte, caro anonymous. Mas é bom ver que os alemães, pese embora não encarem este episódio de forma consensual, começam a abordá-lo de forma directa, tentado derrubar não só os preconceitos do resto do mundo, como quiçá as suas próprias barreiras e inibições relativas a este tema. Pelo menos isso foi o que ocorreu quando vi o filme e, posteriormente, quando li uma entrevista de Oliver Hirschbiegel.
Obrigada pelo comment :) Qualquer blog está cheio de subjectivismos, de pequenas verdades supremas, circunscritas ao "mundinho" em que vivemos.O que fascina na blogosfera, é a facilidade de ter acesso a reacções de pessoas que encaram os assunto de maneira diferente e, simultaneamente, nos fazem alargar o campo de visão! ;)
Bjs

Anónimo disse...

Hallo Rita!!!Agora sim, sou eu...como prometido (há bocadinho) aqui deixo o meu comentário.Como sabes, eu tive o privilégio de viver na Alemanha durante bastantes anos, e confirmo o que o Anonymous disse, realmente existe em muitos alemães um sentimento de vergonha, mas com o passar das gerações a visão vai mudando, o que dá mais abertura para se quebrarem os tabús que ainda existem!Gosto muito de vir espreitar este teu cantinho. Mach weiter so, viel Glück!Beijocas :-)

Rit@ disse...

:):):) Afinal não custa assim tanto deixar um comentário, pois não Claudia? Muito obrigada pelas palavras de ontem. Fico realmente feliz por gostares do Mundo da Chapa. Já sabes que serás sempre benvinda.
Um grande beijinho.