domingo, setembro 05, 2004

Relato de uma advogada-estagiária...

Bom, este é o meu primeiro fim-de-semana como trabalhadora. “Não deverias estar a trabalhar? Afinal a menina não trabalha por conta de outrem, a menina trabalha como independente. Não há cá fins de semana para ninguém”, disse-me o Doido hoje ao telefone.
Como se engana. Ainda que trabalhe num negócio que herdarei por via familiar, que cómoda é cadeira do estagiário!
Este ser estranho, assexuado, perdido num mundo de adultos eficientes e implacáveis, que não tem capacidades mentais, intelectuais ou sequer emocionais para assumir preocupações ou responsabilidades à séria.
Que faz então este pobre desgraçado? Vai para a borga, bebe para esquecer e ilude-se dizendo que será sempre assim: trabalhito durante a semana, party ao fim de semana, sem nunca desmorecer, sem nunca perder os hábitos de estudante.
Enfim... divagações á parte, gostei da primeira semana.
Perdida entre folhas e processos, finjo estar á vontade com tudo aquilo. Afinal a média nem foi das piores e a malta é suposto perceber daquela treta.
Três dias de trabalho são suficientes para que surjam os primeiros sintomas de uma doença rara, mas crónica.
Sintomas esses que são: obsessão doentia com a hora de almoço ( quer se tenha fome ,ou não ,há que ir comer qualquer coisita ),fixação por navegar na internet e ver os mails mais com uma honrosa média de 30 vezes por dia (nunca há nenhum novo) diarreia mental a partir das 18 h, divagações monetárias (“ com este dinheiro já posso comprar isto , isto, aquilo, o outro”) e alucinações com uma noite mega activa, cheia de actividades produtivas e convívio com os amigos.
Outra aventura interessante é a escolha dos “kits de trabalho”. Sim, amigos, porque a primeira coisa a desaparecer do horizonte quotidiano são os ténis confortáveis, que passam a ser substituídos por maravilhosos saltos altos, que de bonito ou confortável pouco têm.
Isto não sucede sempre...acho mesmo que é um fenómeno muito peculiar dos cursos de Direito, Economia e Gestão, onde aquilo que somos pouco importa: o que vale é o que aparentamos ser e quanto mais aparentamos MELHOR!
E eis que assumo a postura mas a coisa acho que não corre lá muito bem: tropeço cada dois minutos, ando desajeitadamente, a roupa não me faz parecer mais adulta, mas sim mais criança e perdida.
Falar ao telefone com os “clientes” ( esta designação transtorna-me) é uma experiência alucinante onde o raciocínio se desenvolve à velocidade da luz: não errar o nome, falar pausadamente, ser clara, ouvir com atenção e acima de tudo, não dizer “beijinhos” no final da conversa...
Que admirável mundo novo! E pensar que se acabaram as épocas de exame...


1 comentário:

Yoann Nesme disse...

Tanta coisa pá! Tudo tão bonito, tão bonito! A senhora doutora consegue exprimir todas as ideias que passam pela minha cabeça, cujo cérebro é incapaz sequer de ordenar. Vejo o interior do meu crânio como um cano entupido, recebendo um fluxo constante de porcarias que ficam às voltas num remoinho incontrolável... Se calhar a palavra a utilizar não é entupido, mas sim estúpido. Fica bem melhor.

Estava eu a dizer que aquí a menina diz muito daquilo que eu sou. Como se eu tivesse escrito alguns destes posts sem reparar. Há muito tempo que quero inserir um comentário, mas nunca dá para nada. E, como já disse, não presto para escrever. Enfim, aproxima-se a hora sagrada do almoço (que é mais como um piquenique) e só quero dizer que espero que nunca deixes de escrever, porque é através de ti que se expressam os meus pensamentos!