sábado, setembro 11, 2004

Viagens de cabeceira...

Iniciar a leitura de um romance é, para mim, embarcar numa viagem intemporal, sem um itinerário pré-determinado e rígido, sem data marcada para terminar.
O impacto da descoberta é ainda maior quando, à partida, desconhecemos por completo o conteúdo do livro que temos em mãos.
É como sentarmo-nos num comboio de olhos fechados e partirmos sem horários, à descoberta de lugares, personagens, vidas, sabores, cheiros, amores, ódios, ideias, aventuras...
Não hesito em considerar este tipo de “viagem” como aquela cujos percursos mais me fascinam!
Ainda recordo como se fosse ontem, o dia em que Fermina Daza e Florentino Ariza me ensinaram que o amor é possível em tempos de cólera, a vez em que me perdi nas Brumas de Avalon para me reencontrar anos depois no Oriente, a perspectivar o mundo através dos olhos de um “Cisne Selvagem”.
Numa estação de comboios, encontrei uma rapariga adoentada a quem Kundera falava acerca da “Insustentável Leveza do Ser” e mais tarde Isabel Allende deixou-me entrar na sua metafísica “Casa dos Espíritos”.
Houve ainda a vez em que “Mr. Vertigo” me surpreendeu ao se elevar na minha cozinha, perdendo-se na minha adolescência como uma “Agulha num palheiro”.
Inesquecível foi também o dia soalheiro em que García Márquez me contou que a vida é composta por sequências de acontecimentos, que se repetem invariavelmente num discurso com “Cem anos de solidão”.
Mas encontrei-me com Sartre que ripostou prontamente, dizendo que nós somos aquilo que fazemos e o inferno são os outros!
Algures na Rússia de Dostoievski, um “Idiota” iluminava as mentalidades obscuras da época, trazendo novidades a uma sociedade onde não se recebiam cartas através d´ “O carteiro de Pablo Neruda”.
“Como água para chocolate”, naquele “Inverno do nosso descontentamento” um “Alquimista” chegou para me ensinar a “Lei do Amor”, que anotei cuidadosamente no “Livro do Riso e do Esquecimento”.
Devo confessar que ao longo de todos estes trajectos, a “Expressão dos Afectos” foi o tema que mais me confundiu e suscitou dúvidas.
“Até onde se pode ir?”, perguntei ansiosa a David Lodge, que prontamente me respondeu, com o seu sarcasmo habitual, que “Um almoço nunca é de graça!”
Algures entre todos estes mundos que se cruzam, procurei a “Pérola” de Steinbeck, mas não a encontrando, viajei até ao Panamá onde um alfaiate me explicou que “A vida não é aqui”.
Se é aqui ou não, ainda não consigo dizer, mas uma coisa é certa: podemos sempre viajar enquanto um romance estiver por perto. E para aqueles que afirmam a “morte do romance” deixo uma citação do meu “guia” preferido, Gabriel García Márquez : “Se diz que o romance está morto, não é o romance - é você que já morreu ! ”
Boas viagens!


( escrito há mil anos... no Jur.Nal)

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