quarta-feira, dezembro 01, 2004

“Sobre a nudez forte da verdade-o manto diáfano da fantasia”



E passando agora a temas mais importantes...

Após um par de anos de algum comodismo mental e de falta de iniciativa, ambos unidos numa culpabilização da televisão e internet, como principais ocupações dos meus tempos livres, eis que me assumo novamente como devoradora de livros.
Grandes, pequenos, divertidos, dramáticos, de autores clássicos ou de contemporâneos, marcantes ou facilmente esquecidos...tanto faz.
Transporto sempre um livro comigo, mesmo à mão de semear para devaneios fantásticos e fugas imprevistas para universos que não são o meu.
Esta semana dediquei-me a um clássico da literatura portuguesa: a “Relíquia” do Eça de Queiroz.
Pensar que neste espaço de tempo, algures entre a estação de S. Sebastião e os Anjos, viajei de Évora para Lisboa, do Campo Santana para Alexandria e desta para Jerusalém, folheando páginas amarelecidas pelo passar dos anos na biblioteca dos meus pais.
Pleno de humor, o enredo desenrola-se em descrições infindáveis, ao jeito tão característico do Eça. (jamais esquecerei a descrição da chegada a Sintra do Sr. Carlos da Maia ao longo de 25 páginas! Ou seriam mais???)
Mas contrariamente ao que sucede nos Maias, a saga de Teodorico é-nos oferecida pelo Autor num constante tom apimentado, onde através de episódios hilariantes , o mesmo elabora uma critica mordaz e astuta à sociedade da época, conservadorismos e classes dominantes.
Não obstante a data da publicação, a actualidade do enredo permitir-lhe-ia que o mesmo fosse escrito hoje, tomando por exemplo a nossa actual sociedade , que em tanto tempo, tão pouco ou nada mudou.
A D.Patrocínio, personificando o devotismo fanático e inquestionável, os amigos de conveniência disfarçados sob a máscara da religião, o interesseiro e hipócrita Teodorico, a sociedade portuguesa facilmente manipulável através de recordações beatas falsificadas, são ingredientes que tornam este romance numa verdadeira preciosidade.
Deixando á vossa consideração determinar se o mesmo é ou não uma relíquia, digo-vos que pelo menos aos meus olhos, considero ter mais uma preciosidade neste meu pequeno património literário.
E tal como qualquer relíquia que se preze, acabei por descobri-la tarde...mas não demais!

“Porque houve um momento em que faltou esse “descarado heroísmo de afirmar”, que, batendo na Terra com pé forte, ou palidamente elevando os olhos ao Céu- cria , através da univeral ilusão, ciências e religiões.”

2 comentários:

Ana disse...

Olá... Ainda não tive a oportunidade de ler A Relíquia, mas se gostaste do estilo mordaz de Eça de Queiroz, recomendo-te vivamente O Primo Basílio... absolutamente fantástico!

AIR

Filipe disse...

A Relíquia é o meu favorito do Eça. Nao que tenha lido muitos:) Mas, para que este comentário acescente alguma coisa de útil, deixa-me dizer que há uma peça de teatro fantástica (nao sei se feita de propósito para a tv, mas parece-me que sim) sobre a Relíquia e protagonizada pelo grande actor Júlio César no papel de Teodorico. Essa peça de teatro já tem bastantes anitos e está nos arquivos da RTP, algures numa caixa qualquer...