quarta-feira, novembro 09, 2005

Era uma vez em Portugal...


A I. confessou à madrinha que era vítima de abusos sexuais por parte do padrasto, respectivo filho e outros "meninos" da vizinhança.
Segundo ela, a mãe fê-la prometer não contar nada a ninguém porque senão levava tareia.
A madrinha, em estado de choque e com o estômago às voltas, prontamente decidiu conduzir a menina a um médico, que por sua vez a encaminhou para a Comissão de Protecção de Menores.

A Comissão fez um trabalho louvável, denunciando a situação ao Ministério Público, tendo em vista a instauração de um processo crime contra os abusadores da menina de 9 anos e, simultaneamente, foi aberto um processo de protecção de menores, tendo-se decidido, como medida de protecção, que a menina ficaria aos cuidados da madrinha.
Uma psicóloga, enviada pela Segurança Social veio visitá-las um dia, decorridos quase 3 meses desde a confissão de I.
A madrinha, impulsiva e testemunha diária do drama da menina, desconfiou dos modos despreocupados e poucos profissionais da psicóloga.

Esta mostrava-se bastante inclinada em sugerir a devolução de I. à mãe, mesmo estando a par do facto de que os abusos decorriam sob o tecto da progenitora e sabendo de antemão que a mesma tinha apanhado I. com um adolescente da vizinhança, numa situação totalmente inapropriada para a sua idade.
Foram trocadas palavras azedas, disse-se o que se quis e não quis e hoje, numa espécie de conferência de interessados, os desentendimentos deram lugar a um despacho, fundado em depoimentos contraditórios e (de acordo com a interpretação do tribunal) inverosímeis duma criança de 9 anos e de uma mãe que prometeu estar “mais atenta”, foi ordenado o regresso imediato da I. ao palco onde as acções decorriam.

Durante todo este tempo, chegou ao conhecimento da madrinha que o inquérito crime tinha sido arquivado sem que tivessem sido ouvidas todas as testemunhas indicadas nos autos.
Estranhamente, a I. nunca foi examinada pelo Instituto de Medicina Legal e hoje regressou a casa, com ordem expressa da Sra. Dra. Juiz para que esses exames tivessem lugar num futuro próximo.
Promessas; palavras bonitas que enchem actas de audiência; psicólogos, cujas opiniões e estratégias são sobrevalorizadas, uma madrinha vista com desdém e desconfiança pelos intervenientes...
Por momentos senti-me no Brasil, a percorrer Montes Claros.
Questionei-me acerca da dignidade de todo aquele processo, do processo de outras tantas I., outras tantas Joanas, outras tantas Vanessas...
Encontradas tarde demais, perante a inércia de quem de direito e a estupefacção dos coniventes com a situação que, confortavelmente, se remeteram ao silêncio e preferem, de uma forma consciente e conveniente, acreditar que é tudo fruto da imaginação fértil da criança.Torna as coisas mais fáceis e , por momentos, quase nos esquecemos que o bem-estar e a saúde mental da I. era o que estava realmente em causa...

2 comentários:

Anónimo disse...

Ritinha, por muito que me vá confrontando com casos destes diariamente, não consigo deixar de me arrepiar ao ler ou ouvir mais um relato. É sobretudo revoltante ver o atraso dum sistema que raras vezes funciona, onde a vítima é geralmente deixada para último plano. Se ao menos as coisas não fossem tão burocráticas, ou uma psicóloga não estivesses mais interessada em picar o ponto do que em ajudar o paciente...
Obrigada querida Rita, por nos mostrares a tua indignação. Por te revelares dessa maneira. E por me "partilhares"! Grande beijo, Rita, La Otra

Dinada disse...

É esperar, agora, pela notícia pronta, quando a I. ou as I's. todas deste país que teima em negligenciá-las, que aparecerá mais dia menos dia nos escaparates dos media...

Triste, muito triste....