Fim da aventura
Num piscar de olhos, os seis meses voaram.
O que ao principio se revelara ser a experiência mais conturbada da jovem existência, revelou-se, à semelhança de todos os que passaram pelo mesmo, ser o ponto de viragem do percurso daquela pessoa.
Nada será igual ao que tinha sido, pertencia agora ao clube privilegiado daqueles que um dia trocaram (puderam trocar?) a pacatez da suas casas pelo desbravar de outras vidas.
A aventura chegou ontem ao fim, acompanhada de malas toscamente arrumadas, de fotografias aleatórias e pedaços de papel na carteira que provam os lugares percorridos nos últimos meses.
A última caminhada nas ruas que agora já eram dele; os abraços fortes e a certeza (ilusória?) inabalável de que, em breve, se reencontrarão; as correrias de última hora; os pertences que deixa esquecido na casa que será sempre dele.
Sem dar-se conta, tudo ficara abalado, os seus alicerces renovaram-se e a sua perspectiva do mundo também o fizera.
Quatro anos passaram desde o dia em que foi a minha vez de caminhar, pela última vez e enquanto residente, as ruas sujas da “minha” (nossa?) cidade.
Na memória ainda sinto o cheiro húmido e o calor abafado dessa noite; da angústia e a da incerteza; da tristeza profunda que até àquela data não conhecia.
A subida penosa da Layetana, depois do jantar no Borne, do choro compulsivo ao passar a entrada do metro da Urquinaona, do desconsolo de ver as malas empilhadas junto à porta da casa vazia, das recordações que os que já haviam partido deixaram e da fugaz ida até ao aeroporto, ainda de madrugada, que ainda assim me permitiu ver, pela última vez, a minha cidade ainda meio adormecida que já se preparava para o iniciar de um novo dia, lembrando-me, delicadamente, que a vida continua.
A chegada a Lisboa foi, igualmente, inesquecível, mergulhada num misto de alegria e desolação, certa que aquele capítulo se encerrava naquele momento e que jamais coisa alguma se assemelharia.
Ontem, ao vê-lo chegar, recordei-me há quatro anos atrás e por momentos reconheci-me, outra vez .
Pela primeira vez, esbocei o sorriso de compreensão que tantas vezes vi naqueles a quem relatei a minha experiência e que já haviam passado pelo mesmo. A vontade foi correr a consolá-lo, mas os homens não se emocionam, não dão parte fraca ,não é verdade?
Voltou, ontem, a nostalgia, o nó incomodativo no estômago, a saudade.
Mas, ao mesmo tempo, voltou a gratidão, a alegria e a convicção acérrima de que esta aventura será, certamente, um dos tesouros mais preciosos que levaremos connosco quando partirmos.
E, vendo-o dessa perspectiva, a aventura nunca chega ao fim.
11 comentários:
E fizeste-me tremer. As ruas de repente são nossas, muda a vida, a rotina, a cabeca e o futuro. De repente vive-se muito mais do que se imaginava, e tudo tão diferente. E há sempre uma última caminhada, uma despedida. Mas, mais que casas prédios parques restaurantes cafés ou cantos, há as pessoas. E os buracos que vão ficando...
gaja.....ate se me arrepiou a alma..........
no more comments, so saudades.....nostalgia..... recordaçoes de borrel....
beijas
la colerita
cUlerita, mensa!
Disse te que não senti nostalgia nestes últimos dias em que voltei a percorrer as nossas ruas.
Menti.
Sinto agora tudo o que senti na altura sem querer deixar a saudade vir ao de cima...
Fiz tudo o que disseste: a bomba, a cervesaria catalana, passear...
Em busca de um passado perdido?
Procurei a Ciudadela e os nossos bolos, mas não os encontrei... fui à barceloneta e deparei-me com um cubo enferrujado, já lá vão mais de quatro anos ao relento!...tive pena de não passar lá a noite de segunda para beber um copo ao som da Jam session...
Mas nesta busca, tive boas surpresas também: A VELHA JÁ KINOU!!! pelo menos foi esse o meu secreto pensamento quando, ao passar de autocarro na Gran Via, reparei que os seus monstros já não espreitavam à janela!!
Mesmo nas buscas de novas experiências quis como que fazer o que havia deixado por fazer, fui ao Palau de la Musica ouvir um concerto.
Fui ao restaurante do meu irmão - na Argenteria, em frente à Desigual e Santa Maria del Mar, na porta ao lado da Pelu - e lembrei-me que a última vez que comi algo de semelhantemente bom, foi em Valencia, há 4 anos. Quis descrever o almoço como orgásmico, mas achei que ninguém perceberia o alcance da expressão. Só vocês.
Passaram 4 anos.
Afastámo-nos? provavelmente sim... mas acredito que ainda temos um espaço "nosso", algo que, atrás do tempo que passou e das faltas de atenção, nos une e faz com que as palavras que deixamos aqui nos mergulhem, só a nós, noutra dimensão. Estarei iludida? espero que não mas atrás da gadget, esconde-se um ser genuinamente ingénuo ;)
O que são 6 meses? Passam num piscar de olhos não é? Deixam marcas para a vida, não é? Temos outra idade, outras responsabilidades, ou ainda temos vinte e tal anos, e muito para aproveitar?
Não sei...
Mas de uma coisa tenho a certeza: se eu decidir lançar-me em mais 6 meses, entregar-me a outra cidade, outra experiência, é com as "portuguesas" que irei no coração!
T*
Eu, com muita pena, não estarei fisicamente presente na tua "investida" querida T., mas levarás contigo mais uma parte do coraçãozinho da Chaparrita para o outro lado do mundo.
Sem sair de Lisboa tenho viajado através de vocês (Londres, Timor, São Tomé, NY, Praga, Argentina, Brasil...) e as despedidas já se tornaram um modo de vida.
E hoje, ao sentir-me emocionadissima a ler-te ( que saudades!), mais convicta de que não existem afastamentos quando estes momentos ainda nos tocam e nos inspiram para estes textos.
Fins ara tías!
Boa T. deixaste pelo menos 2 ocupantes de Borrel com a lagrima no canto do olho...
Tambem gosto de pensar que, apesar de tudo, continua a existir um "nos". E acho que deviamos voltar a percorrer as ruas daquela cidade juntas.
S
Nada me deixaria mais feliz do que regressar com vocês!
subscrevo!
T*
parem com isso, que uma pessoa tem que trabalhar, e tar com a lagrima no canto do olho nao ta com nada...
T. se td correr bem, vamos tar mais uma aventura juntas alem mar!! looking forward to it!
beijos manas
Colera
Atrevo-me a entrar sorrateiramente de novo na casa das manas Borrel, e deixar também aqui um bocadinho de mim.
Leio-vos e releio-vos, e também o meu coração se aperta ao lembrar as ruas que já percorri, os olhares que troquei, os abraços que recebi. Sou hoje uma mistura de todos esses sítios por onde passei. Sou a Rita da Rua das Chagas, da Rua da Arrábida, da Via Fiesolana, da Rua Crispina Oliveira... Todas estas ruas, as esquinas que as formam, as pessoas que lá passam diariamente, fazem hoje parte de mim. Cada vez que chegava a hora de ir embora, tentava não pensar muito no assunto, seguir em frente sem hesitações, e não me agarrar a um passado que já foi, mas pensar no que virá...
Que bem que vos percebo. Agora realizo Tat, que mal te ouvi quando me contaste da tua ida a barça - continuamos tão centradas nas nossas vidas, nas nossas coisas que nos passa ao lado ouvir algo de tão extraordinário como um concerto no Palau de la Musica (algo que queria secretamente fazer desde o momento em que lhe pus os olhos).
"As bonecas russas", que recebi nos meus 4 anos de regresso, retrata bem esta nova condição... temos outra idade, e novas responsabilidades sim, mas também a vida toda à nossa frente, Tat, e aí é bom experimentar que a aventura nunca chega ao fim... Seja aqui, em Timor, na Argentina ou no Brasil...
A aventura continua sempre, como diz a nossa chapa. Irrepetível, alucinante, provocadora, cheia de novidade. E nós somos a prova viva disso.
Rita, la otra!
Sim sim, foi tudo muito bonito. Creio eu. Não me lembro a 100% , o álcool tem estes efeitos. Só sei que depois da Grande Ressaca, acordei numa singular cidade chamada Lisboa, com peculiares habitantes e, sobre tudo, ao lado de uma extraordinária "noia".
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